segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Solidão é lava que cobre tudo



A solidão é um mistério. Como pode ela aparecer quando se está no meio de uma multidão, quando se tem muitos e bons amigos, quando a família é sempre presente? Nunca soube responder essas perguntas. Tudo o que sei é ela vem, de tempos em tempos. Fica um pouco e vai embora, às vezes fica mais. E é aquela sensação estranha de desolação, de que nada trará consolo, mesmo que o cérebro saiba não ser tal sentença verdade. E sempre vem acompanhada de alguma nostalgia, de algo perdido num passado incerto.

Hoje à tarde choveu. E nas gotas geladas da chuva mansa após a tempestade, recebi a visita da solidão. Andando na rua sem guarda-chuva, me esgueirando sob os beirais, a cada pingo sentia o desconsolo de um domingo que ia embora. Nenhum lugar onde pudesse ir, ninguém que quisesse visitar. Somente eu com meus passos de pés molhados, com lembranças de outras chuvas, perdida numa hora de outros anos. E olhar as pessoas o meu redor só reforçava o desejo de um abraço que eu não teria naquele minuto – mas será que um abraço me restituiria a razão? Não sei, não sei. Não sei nem se queria realmente esse abraço, ou se só queria me sentir melhor. Entrei em minha casa vazia, uma casa nova à qual ainda não me acostumei, uma casa que ainda não me parece um lar. Ao som de músicas antigas, fotografei o sol se pondo entre nuvens e chuva, numa mistura de cores e texturas, que sempre me lembram qualquer coisa que não é de agora, nem de hoje.

E a cidade se esvazia para o natal, o que me deixa a sensação de um breve abandono. Ninguém me abandonou. Tudo em sua rotina. Suspeito apenas que a sanidade tenha me abandonado, só para dar espaço para mais uma visita da solidão. Que vem como se estivesse acompanhada de uma multidão, invadindo todos os espaços do meu ser. Talvez esteja acompanhada, sim. Acompanhada de cada fantasma do passado. Fantasmas de porão. Como eu não tenho um porão, os fantasmas vagam por aí e um dia nos encontramos. Sob uma chuva mansa e gelada, numa tarde de domingo vazia.


terça-feira, 18 de novembro de 2008

Virada Esportiva 2008


Como é sabido, não sou uma atleta e estou longe disso – sou, no máximo, uma esportista bem amadora. Flertei com academias, mas não gosto muito daquele climinha de malhação solitária e música putz putz. Fiz capoeira por alguns anos, esporte que adoro e ao qual pretendo voltar. Mas minha paixão mesmo descobri recentemente: a bicicleta. Desde criança eu sempre gostei da sensação de liberdade que ela proporciona; só que agora, descobri-la como um meio de transporte eficiente é sensacional.

Participei da segunda Virada Noturna de Bike; foram 80 km pedalados, contando a ida e a volta para casa. A primeira foi inesquecível, não só pela energia do evento como por, aos trancos e barrancos, eu ter conseguido a façanha inimaginável de terminar o percurso de 69 km. Fora o tombo voltando para casa; depois de obstáculos muito mais difíceis, eu caí sozinha por causa de uma guia de calçada.

Essa segunda Virada eu não sabia se terminaria ou não; vinha treinando um pouquinho, mas nada que chegasse perto dos 65 km a percorrer. Saímos do Parque das Bicicletas, no Ibirapuera, às 21h40 do sábado. Eu estava em companhia do meu marido, do meu sogro, que encara longas distâncias aos 60 anos, e das meninas do Saia na Noite, com quem costumo pedalar às terças-feiras. A saída é uma animação só: fotos, entrevistas, Gatorade e mais 650 ciclistas.

Contornamos o Ibirapuera quase parando, de tanta gente que aderiu ao passeio. Resolvi me posicionar mais à frente, já que sabia que logo mais, na subida da Rua Sena Madureira, eu ficaria para trás, levando a bike a pé. E qual não foi a minha surpresa ao perceber que estava subindo a rua, pensando na música You can always get what you want, dos Rolling Stones, e ultrapassando outros ciclistas! Devagar e sempre, subi a longa rua, feliz da vida por ter evoluído um nível no mundo dos esportes! Nunca tive vergonha de descer da bicicleta e pegar uma subida levando-a na mão, mas superar isso foi ótimo! E lá fomos nós ao Museu do Ipiranga, primeira parada.

Fizemos praticamente um piquenique na grama, com direito a mais fotos e a um bom bate-papo. De lá, saímos até a Estação da Luz; passamos pelos arredores da Praça da República, famoso reduto de bares gays, onde a paquera rolou explicitamente – os moços dos bares cantando os moços ciclistas...

Da Luz, fomos para o Sambódromo, onde havia mais eventos da Virada Esportiva. Nessa hora, encontrei o senhor da bike com caveiras e bonecas com pregos; ficar do seu lado era ótimo, porque ele levava um rádio que só tocava clássicos do rock, mas toda vez que eu cantarolava alguma coisa, ele tocava uma sirene ensurdecedora, acho que querendo dizer “Foi desclassificada”! Do Sambódromo rumamos ao Estádio do Pacaembu, para uma volta olímpica. Subimos a Avenida Sumaré, e mais uma vez eu subi pedalando, acreditando estar possuída pelo espírito de algum ciclista morto, porque duas ladeiras na mesma noite eram uma aberração para mim. Demos uma voltinha pela Avenida Paulista e descemos a Avenida Rebouças, a qual nunca tive o prazer de descer de bike, muito, mas muito mais rápido do que jamais desci de ônibus ou carro. A essa hora já estava batendo um sono louco, desses de encostar e desmaiar. Chegamos ao Parque do Povo, última parada da noite. Lá, conheci uma senhora que havia acabado de chegar para o último trecho: ela tinha 81 anos e trazia sua bicicleta Peugeot original, de 1937! Contou-me, com os olhos marejados, que seu marido falecera havia 4 meses, e que ele sempre fora um incentivador quanto aos esportes. Pedalamos de volta ao Parque das Bicicletas com ela acompanhando, sem marchas, sem suspensões pelos 4 km restantes. Quero chegar aos 80 assim!

Por enquanto, completar o trajeto foi muito bom! Cheguei ao final firme e forte, ou melhor, pernas bambeando, com sono e fome, e cogitei voltar para casa pedalando. Tomamos um café da manhã pra animar, mas passar em frente à estação do metrô foi tentador: não resisti, e pudemos cochilar um pouquinho na volta para casa, às 7h30 do domingo. Aliás, que domingo? Depois que cheguei, quando acordei de novo já era segunda...

Virada Esportiva 2009, estarei lá! Espero conseguir abandonar de vez esportes como devoramento de pizzas e subir com tranqüilidade as ruas de bairros como Perdizes ou Tucuruvi, onde acredito que o grau de inclinação beire os 90°... e sem estar possuída por nenhum espírito!
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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Curtas da Dona Maricota



Criança pode ser tudo de bom. Ainda mais sobrinho, que normalmente a gente aproveita a melhor parte, a da diversão. A minha, Dona Maria Clara, me proporcionou momentos hilários. Fora suas incríveis teorias para as coisas do cotidiano. Aos cinco anos, sua capacidade de observação é assustadora. Pelo que ouço dizer, a maioria das crianças anda muito esperta e é ótimo acompanhar isso de perto. Reuni o que me lembro de tê-la ouvido falar ultimamente:

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Maria Clara olhando para uma figura de um brasão:

- Tia Karina, eu sei de onde é esse desenho. É do filme Piratas do Carimbo!

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No carro:

- Vovô, o que é aquela mánica? (Olhando para uma construção).

E eu:

- Máquina, Maria?

- Mánica!

- Fala: ma...

- Ma...

- Qui...

- Qui...

- Na...

- Na...

- Máquina!

- Mánica!

E o avô:

- Ah, é uma máquina de fazer bolo!

- Não é não, vovô. Aquilo é uma mánica de fazer cimento.

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No consultório, o médico:

- Maria Clara, vou fazer um eletro em você. Vou colocar esses pregadores, mas não vai doer nada.

Maria, com cara de desconfiada:
- Não dói?

- Não. Ninguém chora. Só um menino chorou uma vez, mas não foi porque doeu.

- Ahhhh...

Dois minutos depois:

- Médico, não tá doendo nada.

Mais um tempinho:

- Médico, você falou a verdade, não dói mesmo. O menino que chorou é bobo, né?

Logo depois, avaliando os objetos da mesa do médico, começou:

- Médico, o que é isso?

- Um enfeite.

- E esse aqui?

- Um carimbo.

- Nossa... E essa caneta, posso levar?

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No shopping, querendo brincar numa praça de eventos com atores caracterizados como persongens do "Chaves":

- Vamos dar só uma passadinha lá?

- Já, já, Maria Clara, deixa eu só ver uma loja aqui.

- Tá bom, pode ver que eu deixo; escolhe uma sandália bem bonita, que combine com a minha Tia Karina linda, a tia mais legal do mundo que eu amo amo amo!! Primeiro minha tia!

Fomos ao evento. Ao sairmos:

- Que legal, Tia Karina, eu vi o Chaves, o Kiko e a Chiquinha...

- Que bom que você gostou!

- Eu sei por que o Seu Madruga e a Dona Clotildes não estavam lá...

- Por quê?

- Porque eles morreram na vida real...

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Sobre a Janis:

- Tia Karina, a Janis ainda é um cachorro bebê?

- Ela é sim, está aprendendo as coisas; mas ela não pensa como você...

- Ahhhh... E quando ela vai começar a falar?

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Respondi que quando a Janis começar a falar, terei um problema sério...



segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Eleições 2008



Domingo, dia 5, aconteceram as eleições para prefeito e vereador. Não emitirei aqui minhas opiniões sobre política, etc., mas quero contar minha experiência trabalhando para a realização desse momento importante e um pouco desvalorizado do exercício da nossa cidadania (oh!).

Trabalhei como assistente do TRE numa faculdade onde vota a elite paulistana. Elite mesmo. Desfile de Pradas, Chanéis e Diors, creio eu que originais, um ou outro talvez da Pagé. Ar de desprezo pelo ato de votar. Lógico, não vamos generalizar, não era todo mundo e tal. Até porque havia muitas babás e empregados justificando a impossibilidade de votar, assim como também havia gente interessada em votar para levar ao poder esse ou aquele candidato que melhor lhe parecesse. Mas é muito, muito interessante observar um mundo diferente do nosso...

Bom, para começar, foi designado pela situação um segurança do local para tomar conta de cães. No início, até permitiram a entrada de um cão ou outro, mas a variedade de raças caras foi aumentando, o que levou a segurança do local a proibir a entrada dos animais, pois vai saber, de repente eles poderiam influenciar o voto de alguém e boca de urna é proibida. E se por um descuido dos donos o west highland terrier começasse a se interessar pela chow chow? Acudir no meio do voto para vereador não seria nada fácil.

Divertido, porém, foi informar o local de votação dos eleitores perdidos. E tinha gente perdida mesmo. Apresentava o RG e eu informava a sala. Ou não, porque muitas pessoas não constavam na lista. Quando isso acontece, normalmente é porque o eleitor não vota há muito tempo ou porque tem problemas com a justiça. O difícil é convencê-lo, na maioria dos casos, de que não vota faz tempo. A teimosia imperou:

- Eu tenho certeza de que votei na última eleição pra prefeito, votei até na sala tal. (Cinco minutos depois a pessoa se lembrava que não votava desde que elegeram o Collor).

- Você procurou direito? Vai ver escreveram meu nome errado (mesmo eu tendo procurado todas as opções de “erro”).

Ou ainda:

- Votei aqui embaixo, nunca deixei de votar! (“embaixo”, no térreo, nunca houve seção de votação).

Essa última foi a mais difícil. Indiquei-lhe o cartório para resolver o problema, o único lugar que poderia resolver, mas ela não queria saber:

- Não vou até lá (a cinco minutos de carro de onde estávamos). Não vou perder meu tempo por um erro deles! Deles! Quem é o seu superior?

Não temos “superiores”. Chamei uma pessoa mais experiente, que informou à senhora a mesma coisa.

- Não vou lá mesmo (meia hora depois). Quero que alguém aqui se responsabilize. Quero um comprovante de que estive aqui e não pude voltar. Sem isso não saio daqui.

O “superior” lhe disse:

- Vou fazer um papel sem timbre, só com meu nome, dizendo que você esteve aqui. Não valerá absolutamente nada...

- Mas eu quero mesmo assim.

E resolvida a situação da maneira mais ineficiente possível para ela, que acreditava estar em grande vantagem.

Ainda houve o momento celebridades. Um candidato a prefeito (mesmo depois do “Nunca mais votem em mim se fulano não for um bom prefeito” – e fulano foi o pior prefeito que a cidade já teve) foi votar acompanhado de uma legião de repórteres, que se enroscavam nos fios uns dos outros. A entrevista do candidato foi hilária, com direto a tapinhas nas cabeças de uns garotos:

- Adoro criancinhas!

Os repórteres não disfarçavam o riso.

- Quem o senhor vai apoiar no segundo turno?

- Vocês têm que perguntar quem vai me apoiar no segundo turno!

Mas o melhor foi no finzinho do dia...

Quinze para as cinco, momentos finais. Chegou um rapazinho estilo Gustavo Kuerten: cabelos iguais aos do tenista, aparência igual à do tenista, camiseta “Eu amo tênis”. Veio de muletas, com o pé machucado provavelmente em uma partida de tênis, e pediu gentilmente que eu verificasse sua sala de votação.

- Seu nome não consta... Você já votou aqui?

- Não, é a primeira vez que voto.

- E ao tirar o título, você não escolheu seu local de votação?

- Meu pai me disse que eu votava aqui... E agora ele foi votar em outra escola...

Ô, sossego! Sugeri:

- Telefone para esse número e informe seu CPF; lhe dirão onde você vota, apesar de estar quase se encerrando...

- Tem orelhão aqui?

- Sim, logo ali.

Lá foi ele. Ficou uns dez minutos no orelhão. Voltou com a maior tranqüilidade:

- Moça, por acaso não aceitam ligação a cobrar no cartório eleitoral?

Na próxima encarnação quero nascer sossegada assim.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Janis no UOL




A Janis saiu na galeria de fotos dos mascotes da semana; não é que a SDR (pra não chamar de vira-lata, né) faz sucesso?


http://www1.folha.uol.com.br/folha/galeria/album/p_20081002-bichos02.shtml



segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Fotopostagem



Aqui vai um pouco do que andei fotografando por aí:



Eu vi essa árvore ser derrubada por um caminhão tentando estacionar (motorista bom!). Veio a prefeitura, cortou o tronco, e eis que ressurge uma folhagenzinha persistente... O interessante é que eu estava a observá-la outro dia quando uma vizinha passou por mim. Nós nos encontramos no elevador e ela perguntou: "Era você parada ali do outro lado da rua?" Eu respondi que sim, acrescentando: "Não estranhe, eu costumo ter esse comportamento mesmo..." E ela: "Ah, eu li seu texto do palmito; pode deixar que depois dele, não acho mais nada estranho!" Minha fama já está correndo o mundo...



Lua brincando de esconde-esconde.



Achou!





Sr. Gato de Botas.



Cirrus.



Ande 5km com um cão e o resultado será esse.



Cãoponesa.



terça-feira, 23 de setembro de 2008

Participação especial



Mandei uma pequena conversa ouvida na Padaria Santa Teresa para o blog coletivo Conversas Furtadas. Aqui vai a minha participação:

Tempo Louco

http://www.insanus.org/conversas/

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A velha camisa xadrez

Você se lembra daquela camisa xadrez? Aquela que você me deu num longíquo dia dos namorados? Pois é, eu a encontrei no fundo do meu guarda-roupa, depois das blusas dobradas, embaixo do jeans que preciso consertar, ao lado daquele tubinho azul que minha mãe fez para mim e que eu usava na época em que nos víamos. Aliás, são as duas únicas peças que guardo de um passado tão distante.

Vez ou outra eu ainda a uso, apesar de já se somarem uns anos depois da última vez. Ela é de um conforto aconchegante que não sei explicar. De flanela macia, mangas longas, vermelha, bege e com detalhes azuis. Você me deu porque eu sempre aparecia vestindo uma camisa xadrez do meu pai, e você achou que já estava na hora de eu ter a minha. Era uma peça comum naquele tempo, principalmente para quem ouvia rock. A tal moda grunge, cujo gosto não comentarei, que se restringiu àqueles poucos anos e aos acordes de algumas incríveis bandas de Seatlle, dos Estados Unidos.

Eu a vestia invariavelmente com uma regata preta por baixo, jeans e botas. Era quase um uniforme. E a usava para ir a todos os lugares, inclusive, é claro, para vê-lo. Estava começando a me posicionar no mundo e a entender que ser diferente podia ser uma coisa boa, da qual eu poderia até me orgulhar, e não somente motivo de piada na escola. Assim eu ia criando minha identidade.

E você parecia gostar de quem eu era. Aquela garota meio avoada e responsável, que levava as coisas muito a sério, mas sempre sorrindo. Uma garota de livros, rock, amor e lágrimas. Você vivia me elogiando quando eu vestia a camisa xadrez em nossos curtos encontros, que se espremiam entre a escola e o trabalho. Intensos encontros! E foi essa mesma camisa xadrez que me levou ao caos emocional durante quase dois anos.

Para mim, fim era fim e acabou. Nada de idas e vindas. Nada de recaídas. E nós terminamos. Eu não o procurei mais. Até o dia em que cheguei da escola e soube que você havia me ligado. É claro que retornei, numa esperança louca. Você me pediu a camisa emprestada. Eu a levei para você e não vi nada nas entrelinhas daqueles minutos juntos. Esperei você me procurar para devolvê-la. E o dia que você me devolveu foi minha glória e minha ruína. Uma recaída, mais sua do que minha. Os dias que se seguiram foram longos e difíceis.

Mas passou. E a camisa assistiu a tudo - se é que isso é possível. Passou o grunge, passaram os 90, passaram as pessoas em nossas vidas. Passou a vontade de vesti-la o tempo todo, como marca da minha pequenina revolução pessoal. Aqui nós estamos.

A última vez que a usei foi no show do Pearl Jam, uma das últimas bandas grunge sobreviventes; um pequeno portal do tempo. Foi estranho, porque naquele dia de dezembro muita gente circulou pela cidade com camisas xadrez. E depois, ela retornou ao esconderijo no guarda-roupa.

Ontem, dez graus à noite. Eu procurava algo quente e aconchegante para vestir. Lá estava ela, no fundo do meu guarda-roupa, depois das blusas dobradas, embaixo do jeans que preciso consertar, ao lado daquele tubinho azul que minha mãe fez para mim e que eu usava na época em que nos víamos. Vou guardar o tubinho. Vou guardar a camisa. Não sou mais de guardar tranqueiras do passado. No entanto, quero chegar aos oitenta e ter algo com cheiro de mofo e naftalina que me lembre os dezessete e o início da minha transformação. E quando eu morrer, as gerações futuras, ao desfazerem meu guarda-roupa, encontrarão a camisa xadrez e exclamarão:

- Minha nossa! Que gosto duvidoso para camisas!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Selo Prêmio Dardos II



Recebi mais duas indicações, do blog da Ellen e do Karapintada. Obrigada, meninas!

Quanto ao selo, muita gente me perguntou o que queria dizer. Jogando no Google, sua definição é:

"Com o Prêmio Dardos se reconhece os valores que cada blogueiro mostra a cada dia em seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais etc., que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras."

Lindo, não?

Tudo bem que na vida como ela é a gente sabe que não é bem isso. Longe de mim desvalorizar o selo - continuo feliz em recebê-lo, agradeço o carinho de quem me indicou e eu mesma indiquei como forma de presentear meus blogs favoritos. Mas deixo claro que não faço isso como forma de compactuar com esse sistema capitalista selvagem da blogsfera, para o qual a divulgação do próprio blog é mais importante do que os escritos em si, que deveriam ser a maior motivação para se compor um blog!

(Depois disso, podem votar em mim.)


sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Selo Prêmio Dardos


Recebi o selo do Prêmio Dardos do Erich, blog 30 e Poucos Anos. Fiquei muuuuito feliz, é o meu primeiro selo e é uma honra recebê-lo de um blog bacana e com conteúdo como o do Erich!




Este selo possui algumas regras:


1. Aceitar exibir a imagem do selo no seu blog e cumprir as regras.


2. “Linkar” o blog do qual recebeu o prêmio.


3. Escolher 15 blogs para entregar o prêmio.


Pois é, 15 blogs! Vamos lá, então:


30 e Poucos Anos


Blog da Dona Ju


Clarice Lispector


WC Darkness


Diário do Victor


Das idéias de Caio Rudá


Os Desmandamentos


Ellen Regina


Euforia Melancólica


Ilumine o espaço e o tempo e venha amar comigo...


Is this real?


Karapintada


Mukypho


Musicaholic


Saia na Noite


terça-feira, 9 de setembro de 2008

Excentricidades de um município



Eu nasci em São Paulo, bem pertinho da Avenida Paulista. Cresci aqui nessa cidade de fatos e pessoas estranhas. Muita gente já escreveu sobre São Paulo, mas eu gostaria de registrar algumas impressões sobre esse local singular, onde é possível se ver de tudo um pouco - e ainda um pouco mais.

Há coisas por aqui que não entendo. Por exemplo, quando passamos pela lateral da Catedral da Sé. Eu já havia visto gárgulas exóticas, como as do Palácio das Indústrias, no Parque Dom Pedro, que são em forma de cachorro magro uivante. Mas as da Sé são em forma de sapos. Isso mesmo: sapos, e ninguém sabe explicar o porquê de sapos estarem numa parede lateral externa da igreja. Assim como outro fato curioso sobre igrejas: os signos do zodíaco no Mosteiro de São Bento. Quem entra no mosteiro vê, no teto, os doze signos do zodíaco pintados. E pelo o que sei em minha vã ignorância, a igreja não aprova a astrologia...

Outra coisa incrível que vemos por aqui são os nomes de ruas. Há nomes singelos, curiosos e absurdos. Temos a Rua do Bucolismo, próxima à Rua Alegria – e entre elas uma unidade do que se chamava FEBEM e hoje chama-se Fundação CASA. Há várias homenagens à música: Rua da Música Aquática, da Música da Bruma, Travessa Música de Boa Noite, Travessa Música do Dilema, Rua Música Leve, Música Misteriosa e Música Outonal. Para quem não acredita, é só consultar o guia (porque ir in loco não recomendo; quanto mais estranho e fofo o nome, mais longe a rua). As danças também são homenageadas: tem a Rua Dança Brasileira, a da Dança Cigana, Dança Crioula, Travessa Dança da Canoa, Dança das Borboletas, das Luzes, das Horas, do Cavaquinho, de São Gonçalo, do Fogo, do Manjericão, do Pajé, dos Sabres, dos Sete Véus; Rua Dança Inacabada (o parceiro fugiu?), Danças Caipiras, Danças Húngaras e Rua Dança de Anitra (quem?). Ufa! E não pára por aí. Já estive na rua-trocadilho Armando Pinto. Na Rua Céu Vazio (hein?). Na Praça Chá da Alegria (imagine se esse chá não é nenhuma substância ilícita...). Rua Chamatu (eu não!). Rua Cismas do Destino. Rua Brinco de Príncipe. As Travessas Coração Entristecido e Coração Selvagem. Rua Sol da Meia Noite. E a mais absurda: Rua Lembranças do Futuro! Será que foi Arnold Schwarzenegger quem a batizou?

Isso sem contar nomes de bairros como Jardim Shangrilá, Filhos da Terra (batatas?), Vila Nhocuné, Jardim Fada, Jardim dos Bichinhos, Jardim do Tiro (esse é bom)... Agora imagine o cidadão que mora num lugar com esses nomes na hora em que precisa dizer o endereço... Sempre deve ouvir piadinhas infames...

As placas de comércio também eram um capítulo à parte por aqui. Com a nova lei da prefeitura, ganhamos uma cidade mais limpa e perdemos um pouco de diversão. Não me esqueço de uma da academia do bairro onde eu morava: “Temos Curso de Medo D´água”. Era tudo o que eu precisava! Que graça tem nadar sem medo? O interessante é o frio na barriga na hora de pular na piscina! Natação com emoção!

Essa cidade tem muita coisa que surpreende qualquer um, nas quais podemos prestar atenção quando não estamos preocupados com o horário ou com o sujeito suspeito que nos segue. Coisas “estranhas” como grilos nas noites do Brás ou maritacas no centro do Centro, bem na Praça da Sé. Coisas que, às vezes, nos distraem de tantas tristezas e misérias que nem sempre podemos mudar, vistas todos os dias pelas ruas de São Paulo.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Supermercado



Janis is a punk rocker...

Eu sei que invento umas de vez em quando. Até porque sou daquelas que muda de idéia o tempo todo, invento coisas pra fazer no meio do caminho, não gosto de seguir um roteiro pré-estabelecido. Foi assim no dia em que fomos passear, eu e a Janis. Fomos ao Pet Center comprar ração; uma boa caminhada, 50 minutos para ir, mais 50 para voltar. Ela gosta muito. Eu também.

Na volta, mudança de planos. Lembrei que o dia seguinte era de faxina, e a moça que limpa minha casa estaria lá. Às vezes eu deixo almoço pronto para ela (entenda-se macarrão com salsicha), mas muitas vezes prefiro comprar algo (acho que ela também). Nesse dia eu sabia que não tinha nada em casa, e precisava comprar alguma coisa. Não daria tempo de deixar a Janis em casa e pegar o mercado ainda aberto. Como não gastaria mais de cinco minutos entre pegar uma lasanha e pagar, tive a brilhante idéia de deixá-la presa na entrada do mercado enquanto fazia isso.

Não foi a primeira vez da Janis me esperando; vez ou outra acontece de eu sair com ela e precisar comprar qualquer coisa, ela me espera e tudo bem. Só que dessa vez, deu tudo errado.

A Janis, quando me viu na fila do caixa rápido, surtou. Começou a chorar. A ganir. A latir. Tudo para chamar a minha atenção. Sou contra maus-tratos a qualquer ser. Não gosto de ver animais sofrerem. Mas sugerem as técnicas de adestramento que devemos ignorar o mau comportamento canino, seja qual for, pois atender aos pedidos insistentes do cão por atenção só reforça o que não queremos que ele faça. E eu não a abandonei nem nada; estava ali, diante dela, a uns três metros de distância, mas ignorando-a. Naquela fila que não andava. E com pessoas que não estavam inteiradas sobre as técnicas de adestramento.

Comecei a suar e a ficar vermelha. Fingia que o cachorro não era meu, porque detesto escândalo, seja de quem for. Torcia pra ser atendida logo, e como rezam os mandamentos de Murphy, aquela fila era a mais lenta – de rápido, só o nome do caixa. E a Janis fazendo aquele estardalhaço.

Uma pessoa na minha frente. Logo chegaria a minha vez. E só saberiam que a Janis era minha quando eu já estivesse atravessando a rua. Isso era o que eu achava. Porque a própria Janis se encarregou de me contrariar. Soltou-se – não sei como – da guia. Saiu correndo, não em minha direção – mas mercado adentro, para que eu pagasse o mico de largar a compra no caixa e saísse correndo atrás dela. E claro que assim todo mundo ficou sabendo quem era a dona má do pobre cãozinho triste.

Alcancei-a. Paguei a compra com ela no colo abanando o rabinho, aquela expressão canina de felicidade. E eu sem saber onde me enfiar, desejando um saco de papel pra colocar na cabeça.

Dizem que o cão é bom em ser o melhor amigo do homem. Mas é melhor ainda quando quer ser o pior inimigo...



É o que sobra depois da balada punk.


terça-feira, 19 de agosto de 2008

Celular

Toca meu celular.

- Alô?

- Alô, é a Tia Karina?

- Oi, Maria Clara!

Vozinha mega eufórica do outro lado. Nem respirava direito.

- Tia Karina, eu te liguei sozinha! Sozinha!

- Sério? Passa o telefone pra mamãe.

- Mamãe não tá aqui, tá no banho.

- Ah, pode parar de brincar, a mamãe está aí.

- Peraí que eu vou chamar a mamãe.

Ouviu-se "mamããããe!". E ouviu-se também a voz da minha irmã dizendo, entre outras coisas, "não ponha o celular embaixo do chuveiro!!"

- Então, Tia Karina, minha mãe está tomando banho.

- Puxa, como você me ligou?

- Eu estava mexendo no celular da mamãe, vi a letrinha do seu nome, apertei e ele ligou pra você!

Não se cabia de felicidade. Encerrei a conversa, para o bem da conta da minha irmã. Menos de cinco minutos depois, meu celular tocou novamente.

- Tia Karina?

- Oi.

- Onde você está?

- Na rua.

- O que você está fazendo?

- Maria Clara, não posso falar agora, depois a gente conversa, tá?

- Tá, beijo.

- Beijo.

Desliguei. Tocou de novo.

- Tia Karina, esqueci, manda um beijo pra Janis.

- Tá bom, beijo.

- Beijo.

Desliguei. Novo toque.

- Tia Karina?

- Fala!

- Fiquem com Deus, você e a Janis.

- Você também, beijo.

- Beijo.

Desliguei. Quando começou a tocar de novo, atendi e aí falei:

- Dona Maria, cadê sua mãe?

- Tá no banho ainda.

- Ela vai te matar se souber que você está me ligando o tempo todo. Não pode, vai gastar os créditos dela e aí não poderemos conversar mais.

- É?

- É.

- Não vou ligar mais, tá bom?

- Tá. E fala pra sua mãe me ligar, viu?

- Tia Karina, o que você vai falar pra ela?

- Eu quero conversar com ela.

- Conversar o quê?

- Maria Clara, eu preciso conversar várias coisas com sua mãe!

- Mas Tia Karina... você não vai conversar com ela pra falar que eu te liguei, né?

Assim caminha a humanidade, e é assim que uma criança aprende a usar o celular aos quatro anos de idade.


Ooops...

Mão nada boba...


sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Over the rainbow



E no meio do caos de carros, ônibus, poluição, fios...

Eis o arco-íris.

Após uma tempestade de verão em agosto, nada mais normal do que um raro arco-íris de inverno. E lindo assim bem no centro da cidade, espremendo-se entre prédios e postes, me fazendo parar para fotografá-lo da praça, sob olhares curiosos que não se erguiam para ver o que eu fotografava...



segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Idiossincrasias de um cão

Janis tomando um solzinho...


Ao contrário do que muitos pensam, cuidar de um cão é fácil. Exige um pouco de paciência e disponibilidade (que nem precisa ser tanta assim). Financeiramente, também não é muito traumático: gasta-se mais com vacinas no começo, mas se for um cão pequeno, o gasto com alimentação e antipulgas é relativamente baixo.

Isso tudo para um cão comum. Em se tratando de Janis, meu exótico exemplar, as coisas mudam um pouco. Quando filhote, tentava-se de tudo para que o jornal fosse aceito como único banheiro. Qualquer filhote passa por isso, mas a teimosia dela foi um desafio para mim. Tentei o tapetinho higiênico. Ela adorou arrastá-lo pela casa. Tentei o Pipi Dog. Às vezes funcionava, sempre que eu colocava as gotinhas no jornal ela ia cheirar e funcionava meio que como rapé, para ela ficar espirrando. Só usava o jornal uma ou duas vezes. Aí tentei o efeito inverso: borrifar o Bad Place pela casa toda, um produto que garante repelir o cão quando ele quiser fazer necessidades. Se a Janis pudesse rir disso, ela riria. Então tentamos a psicologia canina: repreender toda vez que ela se esquecesse do jornal. Quase funcionou, mas criou nela um hábito no mínimo estranho; até hoje, quando ela faz alguma coisa errada, ela não espera mais bronca e se autocastiga, indo se esconder atrás do sofá e ficando lá por muito tempo. É só a Janis sumir e já sabemos que alguma coisa aconteceu.

O que funcionou mesmo foi o bifinho, santo bifinho. Para quem não sabe, é aquela tirinha de carne com um cheiro meio nojento, bem parecida com a que se vende para humanos no caixa do supermercado. Cada vez que ela usava o jornal, ganhava um bifinho. E criando-se uma relação de interesse, consegui fazer com que ela adotasse um único banheiro. Às vezes ela ainda falha, mas me poupa o trabalho de castigá-la graças ao autoflagelamento.

Dependendo da raça, atenção é fundamental. No caso da Janis é vital. Quando chego em casa, sou recebida com pulos de 1,50m de altura. Se não converso logo com ela, começa a chorar. Ah, mas se demoro pra chegar também... aí sofro retaliação. Encontro o jornal-banheiro todo picado, mas picado em pedacinhos bem pequenininhos, como se fosse uma mensagem: "Tá vendo, você demora, eu fico ansiosa!". E antes mesmo que eu lhe diga um oi, ela corre para trás do sofá para se castigar.

A Janis também tem suas manias. Estranhas, diga-se de passagem. Como a de se sentar onde alguém acabou de levantar, no melhor estilo "foi passear, perdeu o lugar". Ela gosta de jogar seus brinquedos em lugares que não consegue alcançar, e fica chorando até que alguém os pegue. Para em seguida jogar de novo. Se estamos fazendo qualquer coisa que não seja lhe dar atenção, ela adota duas táticas. Uma é sentar-se no colo de alguém, de modo que nenhuma outra atividade possa ser realizada. A segunda é vir com uma das suas bolinhas. Não é necessário puxar a bolinha da sua boca. Ela mesma agarra o braço do escolhido, fica batendo a bolinha na mão e rosnando. Sem que se mexa o braço! Além de autocastigante, é um cão autobrincante também.

Há ainda as palavras proibidas. Não se fala perto dela os verbetes "passear", "vamos" e "rolê" (pois é, alguém ensinou gíria à cadela). Isso é catastrófico. Ao ouvir tais palavras - assim como ao ouvir o interfone - ela incorpora o diabo-da-tasmânia e parece enlouquecida, correndo pela casa toda, chorando, latindo e pulando. Não crendo que ela reconhecesse palavras, fiz uns testes, dizendo outras coisas no mesmo tom de voz que diria "vamos passear". Ela não reagiu. Aí comecei algumas experiências: nomeei cada um dos seus brinquedos e, se ela os trouxesse corretamente quando eu pedisse, ganhava um bifinho. Hoje, sem bifinho, é como se ela entendesse perfeitamente a linguagem humana. Fora alguns truquezinhos, como sentar, deitar e rolar. Às vezes ela ainda se atrapalha e, na tentativa de ganhar um premiozinho qualquer, ela deita, rola e senta quase simultaneamente a um único comando.

Janis tem cara de cão maluco. Se houvesse um hospício para cães, poderia se dizer que ela fugiu de lá. Como eu disse no início, não é complicado cuidar de um cachorro. Basta ter paciência a cada almofada destruída, a cada meia encontrada nalgum esconderijo secreto, a cada xixi no lugar errado. Descobre-se que ela existe se, cinco minutos depois de querer dar um Red Bull ao bicho para jogá-lo pela janela, não for possível resistir ao seu olharzinho triste e manipulador. Mas já vou avisando: pelo menos finja por um tempinho que esse olhar não o domina. Se o cão perceber o próprio poder, aí seu dono está perdido...
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segunda-feira, 28 de julho de 2008

Pequena crônica para um casamento



Último sabado foi o casamento da minha amiga Emilia. Ela havia me pedido para ler uma poesia na cerimônia; pesquisei algumas e resolvi escrever algo também. Não foi uma poesia, mas acabou sendo o texto escolhido por ela para eu apresentar. O texto foi baseado em uma conversa que tivemos sobre casamento, vida a dois, etc. Tirando meu nervosismo de falar em público, foi bem legal, não engasguei e consegui ler até o final. Bem legal também foi o casamento dela; já tinha um tempo que eu não ia numa festa tão boa assim. Lá vai o texto:


"A gente passa um tempão procurando alguém. A gente nasce para fazer um monte de coisas e nos intervalos, o que fazemos? Procuramos alguém. Nessa busca experimentamos, tropeçamos, quase achamos, até que surge a certeza. E vou ser sincera: é uma certeza escorregadia, vez ou outra duvidamos em alguns minutos do dia, mas ela ganha força e se solidifica enquanto conhecemos o outro.

O outro. Dia a dia o estranhamento evanesce e esse outro vai devagar fazendo parte de nós. Invade pensamentos aos poucos e, quando nos damos conta, já não é mais tão outro e já invadiu nosso coração. E a essa pessoa queremos dedicar nosso sorriso, nosso olhar, nosso melhor. E queremos dedicar a mais preciosa atenção e um dos maiores tesouros que possuímos: nosso tempo, vertido em cada minuto juntos. Para isso, movemos céus e terras a fim de encurtar distâncias, de diminuir despedidas, a fim de se dizer “bom dia” tendo passado a noite em companhia um do outro. Mais do que o tempo, queremos dividir o espaço e às vezes contrariar as leis, ocupando o mesmo espaço que outro corpo.

Mas a vida não facilita. Nem um pouco. Conviver é difícil e requer uma lapidação diária da nossa alma. A entrega pede paciência e aceitação – e não aceitar também, por que não? Esse alguém a quem tanto buscamos precisa ajustar-se a nós, e nós a ele. O que faz a diferença, o que torna os ajustes possíveis é o que os permeia, o que suaviza cada espinho e muda nosso olhar diante de todos os obstáculos: o amor.

Não falo do amor piegas. Muito menos da paixão e suas ilusões. O amor não esfria ou se esconde com o tempo. O tempo pode ser a maior prova da existência do amor. É depois do tempo transcorrido que olharemos para trás e saberemos. É durante seu passar que sentiremos. É desejando estendê-lo pelo futuro, tendo junto quem escolhemos, que comprovaremos. O amor pode tornar nossa rotina tranqüila em meio ao caos e nos mostrar que mesmo aquilo que parece ser uma das mais difíceis provas do ser humano – a convivência com outro ser – pode também ser uma das mais gratificantes experiências da vida."


sexta-feira, 25 de julho de 2008

Curta turística


- Então, um cara que trabalha comigo viajou ao Egito.

- Ao Egito, que legal.

- Pois é. E ele me deu de presente uma lembrança...

- O quê?

- É um negócio assim...

Era quase meia-noite. O sono batendo e o Jô Soares anunciando as atrações. Dispersão. Olha para a televisão e continua:

- Um negócio assim... como é que é o nome? Aquilo...

Fazendo gestos com as mãos, de cima pra baixo. Olhando o Jô. Falando devagar, devagar.

- Aquele negócio típico do Egito...

- Pirâmides?

- Nãããooo... não é uma pirâmide. É outra coisa. Assim, ó.

As mãos de novo. Olhando o comercial da TV. Bocejando.

- O Coliseu, sabe.

A gente tem que perdoar certas distrações. O sono é inimigo da perfeição. E da geografia também. Naquele dia, não pude mais perguntar. Até hoje não sei qual foi a lembrança.


quarta-feira, 23 de julho de 2008

Telefonema



A história que segue é de um tempo pré-histórico, quando ainda não conversávamos por MSN, quando o ICQ era para poucos selecionados pela sorte e essas coisas malucas aconteciam por telefone mesmo. Tem um fundinho de verdade autobiográfica...


"Conheciam-se apenas por telefone, numa dessas coincidências de linha, de chamada errada. Os dois tinha a mesma idade, aniversariavam no mesmo mês. Gostavam dos mesmos livros, das mesmas músicas, dos mesmos lugares. Moravam longe um do outro e sempre prometiam um encontro em breve.

Até que, após três anos de amizade, resolveram se conhecer pessoalmente. A expectativa foi relativamente grande. No fundo, bem no fundo mesmo, cada um esperava achar o amor da sua vida nesse encontro.

Nos dias próximos, acertavam detalhes. Descreviam-se fisicamente: ela alta, nem gorda nem magra, olhos e cabelos castanhos sendo os últimos curtos. Ele, não tão alto para um homem, moreno, olhos e cabelos negros e um detalhe significativo: usava óculos de aros retangulares, no estilo dos óculos do falecido Renato Russo, vocalista da banda Legião Urbana. Isso era importantíssimo, principalmente para ela, que tinha essa banda como preferida.

Combinaram a roupa. Ela, de saia longa verde-musgo e blusa preta. Ele, de camiseta preta e jeans. Iriam se encontrar na entrada do Museu de Arte de São Paulo. Não exatamente para facilitar um programa, mas como melhor ponto de encontro para ambos.

Chegado o dia, ela estava no local com uma hora de antecedência. Queria vê-lo chegar. E a cada um que passava vestido do mesmo jeito, com ou sem óculos, seu coração disparava. Mas eles passavam e não paravam.

O relógio apontou o horário combinado. Que ansiedade, conhecer o rosto daquele com quem se fala há anos! No entanto, ninguém à altura das descrições surgia. Dez, quinze minutos de atraso e nada. Até que pára em frente ao museu alguém não muito alto, moreno, de jeans e camiseta preta. Parou e sentou-se em uma mureta. Nada mal, pensou ela. Mas onde estariam os óculos à Renato Russo? Evidente que com o sol do fim da tarde ele os trocara por lentes e aqueles escuros. Criou coragem e foi até ele.

- Como vai?

- Bem, e você?

- Bem.

Sim, depois de responder à sua pergunta com tanta simpatia só poderia ser ele!

- Você é bem mais bonito do que eu imaginava!

- Obrigado; você também é muito bonita!

E estabeleceu-se uma conversa sobre o tempo, notícias dos jornais das bancas por onde passavam enquanto caminhavam, depois sobre os pratos prediletos de cada um. Nada muito pessoal. Foi quando se ouviu pergunta dele:

- A propósito, estamos tendo uma conversa interessante, você me chamou para andarmos, mas ainda não sei o seu nome!

O coração dela gelou por um segundo, mas logo se recuperou:

- Ora, Arthur, que pergunta mais boba!

- Quem lhe disse que meu nome é Arthur?

O caso estava ficando sério.

- Pelo menos foi o nome pelo qual eu o chamei nos últimos três anos!

- Últimos três anos?!?

- É, ou você não se lembra que seu telefonema errado caiu em minha casa há exato três anos, dois meses e... cinco dias?

- Eu acho que está havendo algum engano. Eu jamais conversei com você pelo telefone e um nome é Rubens, não Arthur.

Agora sim, o que ela temia estava acontecendo. Saiu com a pessoa errada... por outro engano! Mas ela ponderou. Já se passara mais de uma hora do horário marcado para o encontro até aquele momento. Já haviam andado bastante e conversado. Certamente, Arthur não a esperava mais, e não restava a ela outra coisa se não continuar a conhecer Rubens – o que não era má idéia.

- Está bem, Rubens. Esqueça tudo o que eu falei e continuemos a andar. Conheço uma sorveteria aqui perto. Meu nome é Estela.

E o anoitecer, assim como os dias que se seguiram, foi muito agradável para eles.

Enquanto arrumava as malas, Arthur pensava no encontro. Não haveria tempo para dar satisfações. Até houvesse, quem sabe, quando chegasse ao mato Grosso. Não colocariam escuta no telefone dela. Daria a desculpa do parente agonizante, embora abandonasse a cidade fugindo da polícia. Roubara um anel de turmalina de uma pequena loja de bijuterias para presentear Estela. Estava sem dinheiro suficiente para comprá-lo, já que seu preço não era muito baixo. Era acostumado a fazer isso, mas não imaginava que fosse pego ou que o perseguissem dessa vez. Não tardaria e a polícia estaria em sua casa. Uma segunda passagem pela delegacia não seria só passagem.

Estela lhe telefonou, mas jamais tornou a ser atendida. Ao chegar ao Mato Grosso, Arthur deu-se conta de que esquecera o número do telefone de Estela em São Paulo."



quinta-feira, 17 de julho de 2008

Crepúsculo



Eu já vi muitos crepúsculos bonitos, mas esse, além de apreciar, pude ter a alegria de fotografar. Sempre são exóticos no outono e começo do inverno, em parte até por causa do ar seco e da poluição. Nesse, as nuvens contribuíram, formando um espetáculo maravilhoso. Isso me lembra um soneto do Olavo Bilac, "Vila Rica":


O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre,
O último ouro de sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema-unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece
Feito de um ouro ancião, que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move...
Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu...
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.






quarta-feira, 16 de julho de 2008

Tom Wilson

Essa tem dez anos...


"Ela era uma menina que todas as noites via a sombra de alguém em sua janela. Era um vulto perfeito de uma cabeça, cabelos curtos e ombros largos desenhados no vidro fosco com a ajuda da luz da rua e, às vezes, intensificados pelo luar. A princípio, tinha medo.

O medo, que não a deixou dormir muitas noites, começou a dividir espaço com a curiosidade. O que seria aquilo? Quem vinha toda a noite à sua janela e ficava ali parado, até que ela adormecesse e, com o nascer do sol, ia embora? Que interesse teria esse ser em permanecer no jardim frente ao seu quarto? Em seguida, começou a imaginar...

Era a sombra de um grande amigo, a quem chamou de Tom por achar esse nome lindo. Ele aparecia para ouvir suas histórias, os problemas com suas filhas-bonecas que a afligiam, ouvir sobre a escola e seus amigos, ouvir seus segredos. Ela não tinha coragem de ir até a janela e olhá-lo nos olhos, temendo que Tom se assustasse e saísse correndo. Para ela, ele não aparecia e não falava nada porque tinha vergonha.

A menina se divertia todas as noites conversando com Tom. E conforme o tempo passava, os assuntos se modificavam. As bonecas eram menos comentadas, os amigos mais; a vontade de fazer coisas novas, o que ela aprendia tornavam-se assuntos mais constantes.

Em alguns anos, deu sobrenome a Tom: Wilson. Tom Wilson, perfeito para ela. Ficava aborrecida quando faltava luz e não podia ver sua silhueta. Imaginava-o muito bonito.

E foi imaginando-o bonito que começou a imaginá-lo não mais como menino, mas como rapaz. Tom Wilson, o namorado perfeito. Jurava-lhe amor eterno e ansiava por seu beijo. Não falava de bonecas e coisas de criança, mas recitava pequenos versos românticos. E Tom Wilson ali, sempre a ouvindo. Com certeza estava apaixonado, pois nem nas noites de chuva ia embora. A menina-moça não queria mais vê-lo; agora, era ela quem tinha vergonha.

Ela cresceu. Foram poucas as noites que, como mulher, imaginou-o como amante. Conheceu outros rapazes que ocuparam sua mente, tomando o lugar de Tom. E um dia, saiu da velha casa onde fora criada.

Voltando num feriado à casa dos pais, dormiu em seu antigo quarto. Tom Wilson estava lá; ela se lembrou. Levantou-se devagar e, mais cuidadosamente, abriu a janela. Sentiu uma leve inquietação misturada a uma vaga saudade. Foi quando pôde enxergar: tantos anos depois, viu que Tom Wilson não passava de um vaso antigo, que enfeitava o parapeito da mureta entre a varanda e o jardim."


sexta-feira, 27 de junho de 2008

Alpaca


Alpaca. Lembrei-me da alpaca. É parente da lhama; as duas, por suas vez, são espécies domesticadas do guanaco, um mamífero selvagem da família dos camelídios. Todos se parecem, mas eu acho a lhama mais fofinha, mais gracinha, pelo menos as que conheci. Aliás, a foto que ilustra esse blog é de uma lhama que, como uma perfeita modelo, posou magnificamente para mim. Só que a alpaca, na minha opinião, é como uma lhama que não quis ser patricinha e ficou, digamos, largada, rebelde. Ambas têm mais ou menos um metro de altura, pernas curtas, pescoço longo, muito pêlo que costuma virar belos casacos de lã no Peru e adjacências; podem ser marrons, beges ou brancas.


Voltemos, porém, à alpaca. Estive por duas vezes com algumas (as mesmas nas duas vezes) em Itu, numa fazendinha cheia de bichos e guloseimas. Ao adentrar essa fazenda, a pessoa é recepcionada por pavões belíssimos e interesseiros, que abrem a cauda por comida, seja ração ou o biscoito mesmo. O terreno fica numa serra; na parte mais alta, a observar tudo, ficam as alpacas. Quando se chega perto de seu cercado baixo, elas descem correndo para encarar o atrevido. E vou falar: não há nada mais estranho e engraçado do que uma alpaca descendo morro abaixo em alta velocidade (alta velocidade na opinião delas). Extremamente desengonçadas, fazem o pescoço comprido ondular, balançando a cabeça exageradamente de um lado para outro; as pernas curtas promovem um trote cai-não-cai, gerando uma certa ansiedade no observador. Lembram o Garibaldo da Vila Sésamo. E sua chegada é no maior clima “vai encarar?”.


E elas encaram. Olham nos olhos mascando e babando. E é difícil não encará-las. Mais do que se sentir desafiado, não se pode deixar de encará-las porque são estranhas demais. Têm o maxilar inferior avantajado, deixando os dentes de baixo à mostra; pêlos que, se não forem constantemente tosados, transformam-se em tufos de estopa e um olhar insano. Para completar, há na fazendinha um funcionário de plantão por perto para nos dar o sinistro aviso:


- Não fiquem encarando a alpaca, não a olhem nos olhos; ela pode não gostar e cuspir na cara.


Uau! Visual bad boy completo: cospem na cara e tudo! Que autenticidade! É claro que não paguei para ver, mas simpatizei na hora com esse comportamento peculiar. E passei a respeitar e a admirar a alpaca, com seu andar desengonçado, seu jeito “tá olhando o quê?”, sem fofura e sem frescura. Como diria aquela música dos Titãs... deixa pra lá...

sábado, 17 de maio de 2008

O misterioso velho da cadeira de rodas



Era o ano de 2002. Eu estava na estação Clínicas do metrô indo sei lá para onde, devido a esse meu espírito andarilho que me faz percorrer a cidade toda. Assim que o trem chegou, entrei no meu vagão preferido (sim, eu tenho vagão preferido) pela porta que mais gosto (sim, eu tenho porta de que mais gosto) e como estava vazio, cismei de sentar no banco cinza, aquele reservado a idosos, gestantes, etc. Mais uma daquelas que faço sem pensar. Ou então, num gesto altruísta, eu me sentei pensando em ceder gentilmente o lugar assim que entrasse o primeiro velhinho desamparado. Pois na mesma estação, só que por outra porta, entrou aquele senhor que parecia beirar os setenta anos, barrigudo, calvo e de um nariz enorme, desses que parecem crescer a vida toda. O inusitado era o que ele levava: uma cadeira de rodas vazia. Talvez não tão inusitado, foi o que me ocorreu; estávamos perto do hospital.

E ele veio em minha direção. Empurrava a cadeira de rodas com cara de bravo. Ao se postar à minha frente, começou a resmungar e bater a cadeira nas minhas pernas. A princípio, ignorei; tantos lugares vagos, não era possível que ele quisesse se sentar ali. Era. Ele insistiu resmungando e seguindo uma das minhas diretrizes, que pede para que não se contrarie pessoas estranhas (não no sentido de desconhecidas) eu troquei de lugar sem falar nada. Segui viagem observando aquele gentil senhor explorar habilmente as profundezas do seu nariz.

Como fato estranho a gente espalha, ao me lembrar disso certo tempo depois, contei a um amigo o que se passara. Nesse mesmo dia, volto para casa e, misteriosamente, avisto o mesmo senhor narigudo, mal-humorado, empurrando uma cadeira de rodas vazia, atravessando a rua da minha casa! (Aqui vai até um tom de voz à Gil Gomes). Parecia que ao contar a história, eu invocara magicamente o estranho velho. O detalhe é que eu morava no Butantã, que nem era perto das Clínicas e onde nem havia metrô. Dessa vez não fizemos contato; tratei de entrar em casa sem nem olhar muito pra ele.

Comigo, no entanto, bizarrice pouca é bobagem. Ano 2007. Dada a sua idade avançada, o velhinho, sem maldade alguma, poderia ser considerado morto. Eu estava nas imediações da estação Ana Rosa do metrô, a caminho de um ponto de ônibus para ir embora. E no ponto, havia certo tumulto, as pessoas aborrecidas afastando-se de alguém que as incomodava. Quando finalmente posso ver quem era a causa do tumulto, espantosamente vejo o velho – e não estava só. Consigo levava a inseparável cadeira de rodas vazia. Pretendia pegar um ônibus, o que lhe seria custoso com a bagagem que trazia, mas não pude ver como fez, já que meu coletivo passou antes – talvez até para minha sorte. Por enquanto não o tenho visto mais, e, se alguém vir esse ser pela cidade, cuidado: ele pode pedir seu lugar e segui-lo para sempre.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Nota sobre o gato II

Notícias atualíssimas sobre o gato que caiu do quinto andar! Soube hoje que, mais do que estar vivo e passar bem, o bichano está completamente recuperado, tendo eu sido convidada a vê-lo qualquer hora. Como preciso ver para crer, pretendo mesmo visitá-lo, porque não é possível que o gato esteja de novo feliz e saltitante depois do estado em que o vi. Definitivamente, além de acreditar em extraterrestres, agora acredito em sete vidas de gatos. Para completar minhas experiências existenciais, preciso encontrar um gnomo no jardim.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

As mais belas músicas já compostas

Resolvi criar uma lista das músicas que considero as mais belas. Como belas, entenda-se tocantes, passionais, aquelas que são impossíveis de se ouvir sem nada sentir. Para mim, é óbvio. Se alguém discordar, debatamos nos comentários. A lista está em ordem alfabética por banda (outra obviedade) e faltam algumas coisas que esqueci no momento.
  • Beatles - "Because"
    Beatles -"Across the Universe"
    Dead Can Dance - "The Carnival is Over"
    Echo & The Bunnymen - "The Killing Moon"
    Guns and Roses - "Patience"
    Janis Joplin - "Ball and Chain"
    Janis Joplin - "Me and Bob McGee"
    Janis Joplin - "Summertime"
    Johnny Rivers - "You´ve lost that loving feeling"
    Led Zeppelin - "Since I´ve been loving you"
    Legião Urbana - "Tempo Perdido"
    Paul Simon - "Bridge Over Trouble Water"
    Pearl Jam - "Oceans"
    Pink Floyd - "The Great Gig in the Sky"
    Radiohead - "Creep"
    Radiohead - "Exit Music (for a film)"
    Radiohead - "Fake Plastic trees"
    Sisters of Mercy - "More"
    Smashing Pumpkins - "Disarm"
    Smashing Pumpkins - "Muzzle"
    Soundgarden - "Blow Up The Outside World"
    Soundgarden - "The day I tried to live"
    The Mamas and The Papas - "Dedicated to the one I love"
    The Mamas and The Papas - "Monday Monday"
    The Nixons - "Sister"
    The Smiths - "Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me"
    U2 - "Bad"
    U2 - "One"
    U2 - "Where the streets have no name"

Metrô


A história a seguir é de 18.7.1999, o ano em que comprei meu primeiro celular - aquele Baby tijolão, para o qual criaram aquela propaganda do bebê falante. Eu tinha vergonha de falar em locais públicos e para atendê-lo, sempre me escondia nas cabines de orelhão. Digressões à parte, o texto nem é sobre celulares e lá vai:


"Último vagão, entre a penúltima e a última estação. Ela, quase atrasada para o trabalho, quase sozinha naquele vagão do metrô. Havia apenas mais um homem, no banco lateralmente oposto ao dela.

Era inverno, porém este nunca chegava aos túneis do metrô. Estava um calor agradável e a velocidade do trem proporcionava a reconfortante certeza da pontualidade. Ela mudara o trajeto para tentar o incrível feito de ser pontual. Com as ruas intransitáveis àquela hora, preferiu o rápido meio de transporte. Apenas um minuto entre uma estação e outra. E em mais meio minuto ela desceria...

Com a proximidade da estação, o trem foi diminuindo a velocidade. E parou, provavelmente à espera de que outro trem partisse, permitindo-o estacionar com segurança.

Ela detestava quando isso acontecia. a sensação era sempre ruim, mesmo sabendo que em poucos segundos voltariam a andar. Lembrou-se do dia de sol lá fora ao ver o concreto escuro através da janela. Teve tempo de relembrar o dia anterior e o comecinho daquela manhã, até que olhou o relógio. O trem estava demorando... O quase atrasada em pouco tempo se consolidaria um atraso real. Olhou para o homem ao lado.

Ele carregava uma pequena mochila. Vestia jeans e camisa. Tinha um cavanhaque e não era feio. Ele percebeu que estava sendo observado e olhou para ela, que virou o rosto e neste momento deu-se conta de que eram apenas os dois no vagão. Em breve, porém , o trem partiria, mais alguns segundos e ela estaria subindo correndo pelas escadas rolantes...

Não. Os segundos já se transformavam em minutos. Ela começou a se impacientar. Mais ainda quando o homem, olhando ao redor, também deu-se conta de que eram apenas os dois ali. E olhou para ela quase sorrindo.

Ela não sabia se comentava com ele sobre a demora. Diante da impossibilidade de fuga naquele vagão sem portas para os demais, ela ficou quieta. Mirou o túnel negro e sentiu um início de medo.

Que bobagem, para que medo, se logo partiriam? "Em caso de emergência, quebre o vidro e puxe"... Não, não haveria emergência. Sim, o homem se mexeu. E ajeitou-se no banco de modo que pudesse olhá-la melhor.

Ela segurou com mais força a bolsa e pensou no dinheiro que tinha. Não deixaria que levassem os documentos, era tão trabalhoso tirá-los! E cartas, cartões, fotos, tudo aquilo que concedia à sua carteira uma curta descrição da sua vida...

Quase dez minutos e nada. Começou a sentir calor. Atrasada, mas que droga! O homem tossiu, fazendo com que ela quase pulasse no banco. Imagine, o metrô é um seguro meio de transporte, posso sair dele quebrando o vidro de emergência e acionando o mecanismo de abertura das portas, eu gritarei e então...

Clic! As luzes se apagaram. Escuridão total. Ela se encolheu no assento, tremendo. E agora, onde estará o botão de emergência? E se ao acioná-lo, o trem começar a se movimentar? O homem tossiu mais forte. Ela podia jurar que ele havia se aproximado. Pensou em rezar, no entanto lembrou-se de que não acreditava em milagres. O guarda-chuva! Idéia brilhante logo apagada. Ele poderia ter um revólver.

As lâmpadas emergenciais acenderam-se. Iluminavam quase nada, mas pelo menos as trevas não eram totais. O homem havia mudado de banco, porém continuava na mesma fileira. Só que agora, de frente para ela.

Então o trem, vagarosamente, começou a se movimentar. Ela, em pânico, conseguiu respirar. Teve a impressão de que o homem sorrira.

A estação estava às escuras. Deve ter sido uma queda de energia no bairro, pensou ela. Todavia, mal pode pensar outra coisa: o trem passou direto pela última estação e parou bem adiante, noutro corredor sem luz.

Agora já era demais. O homem levantou-se e tentou espiar pela janela. Ela, ofegante, prestava atenção a cada movimento dele, que se voltou e a encarou. É, agora não há mais saída... Sua seriedade assustou-a ainda mais. Ela tentava disfarçar o nervosismo; era impossível. Foi quando ele fez um gesto de quem diria algo e:

- Senhores passageiros, desculpem-nos o transtorno. Assim que se normalizar o fornecimento de energia elétrica, os senhores poderão desembarcar.

A voz metálica do auto-falante. No mínimo, deveria haver outro condutor no último vagão, que movimentaria o trem no sentido contrário, de volta à plataforma. Se precisasse, seria só correr e bater na cabine fechada. Enquanto isso, à meia-luz, o homem tentava ver as horas. Olhou mais uma vez para ela e as luzes foram totalmente acesas. O trem pôs-se de volta a caminho da estação.

Ela não o esperou parar; levantou-se e dirigiu-se para a porta. Ele havia sentado. Quando as portas se abriram, ela correu e voou pelas escadas rolantes. Havia perdido meia hora.

Contou por cima a história do metrô aos colegas. Ao sair do trabalho, já refeita, resolveu passar em uma livraria para ver as novidades. Estranhou não haver funcionários por perto. Deixando cair um livro, porém, notou que alguém se aproximara para ajudá-la. Sentiu um frio no estômago ao virar-se e ver o homem do metrô. Ela ia dizer algo e clic! Nova queda de energia.

- Parece que temos uma atração pelas trevas, não? - disse ele, enquanto abaixava as portas da loja com controle remoto - possuía um gerador para fazê-lo. E sem que qualquer lâmpada de emergência fosse acesa, nada mais foi ouvido."