quarta-feira, 30 de abril de 2008

Metrô


A história a seguir é de 18.7.1999, o ano em que comprei meu primeiro celular - aquele Baby tijolão, para o qual criaram aquela propaganda do bebê falante. Eu tinha vergonha de falar em locais públicos e para atendê-lo, sempre me escondia nas cabines de orelhão. Digressões à parte, o texto nem é sobre celulares e lá vai:


"Último vagão, entre a penúltima e a última estação. Ela, quase atrasada para o trabalho, quase sozinha naquele vagão do metrô. Havia apenas mais um homem, no banco lateralmente oposto ao dela.

Era inverno, porém este nunca chegava aos túneis do metrô. Estava um calor agradável e a velocidade do trem proporcionava a reconfortante certeza da pontualidade. Ela mudara o trajeto para tentar o incrível feito de ser pontual. Com as ruas intransitáveis àquela hora, preferiu o rápido meio de transporte. Apenas um minuto entre uma estação e outra. E em mais meio minuto ela desceria...

Com a proximidade da estação, o trem foi diminuindo a velocidade. E parou, provavelmente à espera de que outro trem partisse, permitindo-o estacionar com segurança.

Ela detestava quando isso acontecia. a sensação era sempre ruim, mesmo sabendo que em poucos segundos voltariam a andar. Lembrou-se do dia de sol lá fora ao ver o concreto escuro através da janela. Teve tempo de relembrar o dia anterior e o comecinho daquela manhã, até que olhou o relógio. O trem estava demorando... O quase atrasada em pouco tempo se consolidaria um atraso real. Olhou para o homem ao lado.

Ele carregava uma pequena mochila. Vestia jeans e camisa. Tinha um cavanhaque e não era feio. Ele percebeu que estava sendo observado e olhou para ela, que virou o rosto e neste momento deu-se conta de que eram apenas os dois no vagão. Em breve, porém , o trem partiria, mais alguns segundos e ela estaria subindo correndo pelas escadas rolantes...

Não. Os segundos já se transformavam em minutos. Ela começou a se impacientar. Mais ainda quando o homem, olhando ao redor, também deu-se conta de que eram apenas os dois ali. E olhou para ela quase sorrindo.

Ela não sabia se comentava com ele sobre a demora. Diante da impossibilidade de fuga naquele vagão sem portas para os demais, ela ficou quieta. Mirou o túnel negro e sentiu um início de medo.

Que bobagem, para que medo, se logo partiriam? "Em caso de emergência, quebre o vidro e puxe"... Não, não haveria emergência. Sim, o homem se mexeu. E ajeitou-se no banco de modo que pudesse olhá-la melhor.

Ela segurou com mais força a bolsa e pensou no dinheiro que tinha. Não deixaria que levassem os documentos, era tão trabalhoso tirá-los! E cartas, cartões, fotos, tudo aquilo que concedia à sua carteira uma curta descrição da sua vida...

Quase dez minutos e nada. Começou a sentir calor. Atrasada, mas que droga! O homem tossiu, fazendo com que ela quase pulasse no banco. Imagine, o metrô é um seguro meio de transporte, posso sair dele quebrando o vidro de emergência e acionando o mecanismo de abertura das portas, eu gritarei e então...

Clic! As luzes se apagaram. Escuridão total. Ela se encolheu no assento, tremendo. E agora, onde estará o botão de emergência? E se ao acioná-lo, o trem começar a se movimentar? O homem tossiu mais forte. Ela podia jurar que ele havia se aproximado. Pensou em rezar, no entanto lembrou-se de que não acreditava em milagres. O guarda-chuva! Idéia brilhante logo apagada. Ele poderia ter um revólver.

As lâmpadas emergenciais acenderam-se. Iluminavam quase nada, mas pelo menos as trevas não eram totais. O homem havia mudado de banco, porém continuava na mesma fileira. Só que agora, de frente para ela.

Então o trem, vagarosamente, começou a se movimentar. Ela, em pânico, conseguiu respirar. Teve a impressão de que o homem sorrira.

A estação estava às escuras. Deve ter sido uma queda de energia no bairro, pensou ela. Todavia, mal pode pensar outra coisa: o trem passou direto pela última estação e parou bem adiante, noutro corredor sem luz.

Agora já era demais. O homem levantou-se e tentou espiar pela janela. Ela, ofegante, prestava atenção a cada movimento dele, que se voltou e a encarou. É, agora não há mais saída... Sua seriedade assustou-a ainda mais. Ela tentava disfarçar o nervosismo; era impossível. Foi quando ele fez um gesto de quem diria algo e:

- Senhores passageiros, desculpem-nos o transtorno. Assim que se normalizar o fornecimento de energia elétrica, os senhores poderão desembarcar.

A voz metálica do auto-falante. No mínimo, deveria haver outro condutor no último vagão, que movimentaria o trem no sentido contrário, de volta à plataforma. Se precisasse, seria só correr e bater na cabine fechada. Enquanto isso, à meia-luz, o homem tentava ver as horas. Olhou mais uma vez para ela e as luzes foram totalmente acesas. O trem pôs-se de volta a caminho da estação.

Ela não o esperou parar; levantou-se e dirigiu-se para a porta. Ele havia sentado. Quando as portas se abriram, ela correu e voou pelas escadas rolantes. Havia perdido meia hora.

Contou por cima a história do metrô aos colegas. Ao sair do trabalho, já refeita, resolveu passar em uma livraria para ver as novidades. Estranhou não haver funcionários por perto. Deixando cair um livro, porém, notou que alguém se aproximara para ajudá-la. Sentiu um frio no estômago ao virar-se e ver o homem do metrô. Ela ia dizer algo e clic! Nova queda de energia.

- Parece que temos uma atração pelas trevas, não? - disse ele, enquanto abaixava as portas da loja com controle remoto - possuía um gerador para fazê-lo. E sem que qualquer lâmpada de emergência fosse acesa, nada mais foi ouvido."

2 comentários:

Hélio disse...

Belo texto, heim!

Jurei que ia rolar um beijo!xDDDD

Eu lembro dessa propaganda, mas nao com detalhes! Afinal faz quase 10 anos!

Beijo e um bom feriado!!! =D

Anônimo disse...

Curti a história, bem criativa ^^