sexta-feira, 25 de abril de 2008

Sorriso


O texto a seguir escrevi em fevereiro de 1999, quando eu ainda tentava criar minha primeira conta de e-mail e achávamos que o mundo acabaria em 11 de agosto daquele ano (droga... não acabou!):


"Ela saiu de casa. E sorriu para a primeira pessoa que encontrou na rua. Uma antiga vizinha, para quem o sorriso era tão comum quanto respirar. Esta sorriu de volta. Mecanicamente.

Sorriu para o motorista do ônibus. Que retribuiu com seu "bom dia" costumeiro, sorrindo de leve.

E foi a vez do velhinho do banco ao lado. Que diante do sorriso, sentiu-se à vontade para puxar conversa. Explicou a ela como as geladeiras funcionavam e contou que sabia onde o sol nascia. Ele descobrira no Japão: o sol nascia no mar.

Sorriu para o homem sem pernas, que ficava a esmolar todos os dias na mesma calçada. Surpreendentemente, o homem sofrido sorriu também. E mais uma vez, ela lembrou-se do doce que pretendia lhe dar. Mas que sempre esquecia, tendo longe dos olhos a face triste do homem. Dessa vez, ele também sorria.

Sorriu para os colegas de trabalho. Alguns não repararam, poucos responderam. Sorriu para todos os clientes. Houve quem acreditasse que ela ironizava; houve quem se encantasse com um sorriso numa manhã de segunda-feira. Houve quem, após o sorriso, insistisse para vê-lo de novo. E por não valer a pena, ela tornou-o mais frio.

Depois, sorriu para o atendente da lanchonete. Que viu nesse sorriso mais do que ele expressava, e sentiu-se encorajado a se aproximar mais. Porém logo percebeu que o sorriso dizia pouco, e ainda não era o que ele pensava perceber.

Sorriu para uma criança na rua, que se escondeu entre as pernas da mãe, com vergonha. A mãe também sorriu.

Sorriu para a amiga que encontrou e sentiu a felicidade nesse sorriso. Sorriu para o homem que se vestia como mulher e se vendia na esquina; ele sentiu-se animado e disse "boa noite". Era noite. Os sorrisos se enfraquecem à noite.

Ficou séria. Voltava para casa e alguém do outro lado da rua caminhava na mesma direção. Ela olhou-o e não sorriu. Entrou em casa. E esse alguém, descobrindo onde ela morava, deu o maior sorriso do dia."

2 comentários:

Hélio disse...

Caramba, que moça mais sorridente essa nao? =]

Admiro quem consegue escrever textos assim!

Odiava no colégio quando tinha que fazer texto sobre algum tema.

Bjim =D

Lara Sousa disse...

Adoreii o texto.

beeijO